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Criciúma
terça-feira, maio 13, 2025

Projetos do Sul preparam o futuro do carvão mineral

Thiago Oliveira

Criciúma

Foi na escuridão das minas que Criciúma passou a brilhar. O ouro negro foi o grande propulsor do desenvolvimento econômico do município, gerando empregos e atraindo investimentos. Tanto que a cidade ficou conhecida nacionalmente como a Capital do Carvão. Mas o mesmo carvão mineral, que trouxe tantas riquezas, passou a ser apresentado como um vilão na geração de energia.

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Diversas empresas ligadas ao setor têm buscado se desvincular do carvão, como a Engie Brasil Energia, que no ano passado anunciou o fim das atividades do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Capivari de Baixo, para focar em fontes renováveis. Uma decisão que colocou em risco toda a cadeia produtiva, que é responsável por cerca de 20 mil empregos no Sul catarinense e que movimenta aproximadamente R$ 6 bilhões ao ano. Situação que só mudou quando a multinacional efetivou, neste mês, a venda da estrutura para a Diamante Geração de Energia, que faz parte da Fram Capital.

Mas na contramão do que a Engie e outras geradoras de energia têm feito em todo o mundo, ainda há uma aposta alta no carvão mineral, para se tornar uma fonte ainda mais eficiente – através da pesquisa e da tecnologia. E um dos grandes exemplos está no Sul do Estado, nos laboratórios da Satc, em Criciúma.

A instituição tem realizado diversas pesquisas buscando soluções para os problemas apresentados pelo carvão, e com isso, mostrar que ele ainda tem muito futuropela frente. “O mundo está se transformando. De um mundo de alto carbono para o mundo de baixo carbono. E para ficar em baixo carbono, tem que capturar CO2. Aumentar a eficiência nas plantas, e ao mesmo tempo, capturar CO2. Então o futuro do carvão passa por isso”, adianta o presidente da Associação Brasileira de Carvão Mineral (ABCM), Fernando Zancan.

Captura de CO2 gera corrida global

A captura de CO2, citada por Zancan, é hoje o principal projeto executado no Centro Tecnológico Satc (CTSatc). Desde o fim de 2013, um grupo de engenheiros busca desenvolver uma nova tecnologia para capturar o carbono emitido na queima de combustíveis fósseis, tanto em centrais geradoras de energia, quanto em indústrias.

Para cientistas, a captura do dióxido de carbono, o CO2, é essencial para o futuro do planeta. Ainda mais com as metas do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5 °C até 2100. E por isso, há uma corrida global por soluções.

Em todo o planeta, são 71 projetos em execução, com investimentos de 20 bilhões de dólares. E um deles está justamente em Criciúma. “É uma tecnologia que está vindo muito forte. Os combustíveis fósseis continuarão na matriz mundial e para mitigar o CO2, a captura é a solução. O estamos fazendo em Criciúma é uma das tecnologias, é testar uma tecnologia, a de absorção física. Se a gente conseguir viabilizar isso, nós estaremos fornecendo ao planeta uma solução para a pós-combustão. Você gera o CO2 e consegue ir atrás para capturá-lo. É uma tecnologia promissora e todas as tecnologias levam tempo. Não é de uma hora para outra que você resolve. Esse projeto está avançando bem e agora vamos para o segundo estágio dele”, explica Zancan.

O projeto executado no CTSatc está em andamento desde o fim de 2013 e conta com parceria até mesmo do Departamento de Energia dos Estados Unidos. Os testes têm sido realizados em uma planta-piloto na qual a queima de um gás combustível simula o funcionamento de uma termelétrica. “O que a gente tem aqui é uma tecnologia com grau de inovação elevado que utiliza um material sólido, as zeólitas, e nesta primeira fase, durante três anos, a gente conseguiu atingir um percentual de captura de 30% a 50%. Nós estamos em uma segunda fase de preparação do projeto para atingir reduções na ordem de 70% a 90%”, conta o engenheiro químico Thiago Fernandes Aquino, líder do Núcleo de Energia e Desenvolvimento de Produtos do CTSatc.

Meta é tornar o processo economicamente viável

O projeto já recebeu investimentos de R$ 11 milhões e o mesmo valor deve ser aplicado nos próximos anos para tentar ampliar o percentual de carbono capturado para 90%. É quando entra o segundo foco: tornar o produto viável financeiramente. “O grande desafio da indústria é desenvolver essa tecnologia com baixo custo. Um desafio de vários setores, não só do carbonífero, mas cimentício, siderúrgico, do setor de óleo e gás. O grande desafio é mensurar o quanto isso vai custar para que a indústria possa absorver isso no futuro, porque é um objetivo mundial e precisa ser alcançado para sobrevivência dos diversos setores, porque vai ser uma obrigação em termos de taxa de emissão. A gente vê isso no dia a dia, no noticiário, uma necessidade ímpar”, analisa Aquino.

A meta baixar os custos por tonelada de carbono capturada dos atuais 50 dólares para 30 dólares, patamar no qual a tecnologia passa a ser competitiva para uso em termelétricas. “Nessa primeira etapa, os custos indicaram uma possibilidade de atingir um valor que todos procuram no mundo, que são os 30 dólares por tonelada de CO2 capturado. Depois é preciso melhorar fisicamente a planta e mensurar os custos a partir dessas melhorias”, revela o engenheiro químico.

O trabalho tem chamado a atenção de grandes empresas, como a petroquímica Repsol, a fabricante de refratários RHI Magnesita e a fundição Tupy. Todas interessadas nos resultados que podem sair do Sul Catarinense. “Nós entendemos que havendo sucesso no desenvolvimento da tecnologia, que já ocorreu, e sucesso no desenvolvimento de um processo economicamente viável, preenche os requisitos que possa ser incorporado no processo de modernização da indústria e garantir sua permanência de longo prazo. Sem uma data limite para ser desativada, porque entendemos resolver o problema que é a emissão de CO2. A filosofia que nós seguimos tem uma série de requisitos para que a indústria apoie a pesquisa. A primeira é que esteja disponível, e a primeira fase já resolveu. Que seja economicamente viável, que a segunda fase vai resolver. E por fim, que agregue valor para a indústria”, explica o diretor técnico do Sindicato da Indústria de Extração de Carvão de Santa Catarina (Siecesc), Marcio Zanuz.

Processo sustentável

Neste cenário, com tantas pesquisas sendo desenvolvidas, não é nenhum absurdo pensar que o carvão pode dar origem a uma indústria ambientalmente sustentável. O projeto realizado pelo CTSatc utiliza a zeólita, um material sólido composto de silício, alumínio e um metal alcalino, apresentando uma estrutura coberta de poros, onde o dióxido de carbônico fica retido.

E um dos projetos desenvolvidos é justamente a criação de zeólitas sintéticas a partir das cinzas do carvão, que compõem de 30% a 40% do mineral. A técnica, que rendeu à instituição a primeira patente verde, concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi), também dá a esperança de que todo o processo possa ser sustentável.

E além de serem parte fundamental do processo de captura de CO2 desenvolvido no Sul do Estado, as zeólitas obtidas da cinza de carvão também têm aplicação na agricultura, seja como ingrediente na composição de fertilizantes, retardando a liberação de nutrientes e aumentando a eficiência da adubação, ou como estabilizador do solo, retendo umidade e possibilitando às lavouras melhores condições para suportar longos períodos de seca. “A gente tem projetos principalmente voltados ao reaproveitamento de resíduos e rejeitos, então projetos estratégicos são feitos para agregar valor à resíduos industriais, produzindo produtos principalmente que o Brasil não produz, como o caso das zeólitas, que estamos em discussão com a Diamante [nova controladora do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda]. E a ideia é ter outra planta piloto de produção das zeólitas para várias aplicações. Tem um projeto da Carbonífera Metropolitana que utiliza rejeito e concentra o enxofre para produzir um produto químico que não é produzido pelo Brasil. Um projeto de impacto social e econômico para a região. E eu acho que esse é o foco. Transformar um problema social e ambiental em uma solução econômica, é um grande desafio para nós pesquisadores, mas de importância vital para a sociedade, para o setor como um todo”, analisa Aquino.

Nova era do carbono

O futuro do carvão, porém, não está nas mãos apenas da captura de CO2. Outros projetos visam deixar o mineral ainda mais eficiente. Para isso, o mineral tem ganhado diferentes utilizações, estando cada vez mais presente no dia a dia.

“A gente está olhando para uma nova era do carvão. Ou uma nova era do carbono, que significa que você vai procurar novos produtos a partir do carvão. Estamos trabalhando, produzindo produtos químicos a partir do carvão. Estamos trabalhando com outros projetos usando as cinzas das termelétricas para produzir produtos, inclusive, fertilizantes. Uma gama de projetos que estão sendo desenvolvidos em vários estágios. Alguns em laboratório, outros em bancada e outros em piloto, com uma escala maior”, adianta Zancan.

A criação destas soluções é uma exigência da própria indústria, que desta forma, vai tornando o carvão mineral cada vez mais necessário. “Hoje em dia se fala, inclusive, em materiais para impressoras 3D, só para ter ideia de onde a tecnologia na área do carvão está indo. Tudo é tecnologia e a gente tem reservas de carvão no Sul de Santa Catarina. No Brasil, uma das maiores fontes de energia é o carvão, e a gente tem que usar. E para isso, tem que trabalhar dentro do baixo carbono, agregando valor e produzindo novos produtos. É dentro dessa linha que a ABCM tem trabalhado, e tem incentivado. Isso não vem de agora. Pensamos lá em 2006 em criar um Centro de Inteligência de Carvão em Santa Catarina. Que hoje está operando a pleno e é reconhecido internacionalmente. Então essas coisas precisam se pensar em longo prazo, e estamos pensando desta forma”, conta o presidente da ABCM.

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