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Criciúma
terça-feira, abril 16, 2024

Busca por melhor qualidade de vida ultrapassa fronteiras

Letícia Ortolan

Criciúma e Içara

O medo de não sobreviver e a vontade de dar uma vida melhor para os seus familiares ultrapassa fronteiras, no sentido literal. Essa é a realidade de pelo menos 1,3 milhão de imigrantes que residem no Brasil, conforme dados divulgados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em dezembro de 2021. Luís Enrique Caraballo González, de 47 anos, da Venezuela, e Fritznel Jean, de 33 anos, do Haiti, são parte desse grupo. A política fez com que os dois abandonassem seus países e vissem para o Sul de Santa Catarina, deixando
muitas coisas para trás.

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Gente chegando

De 2011 até 2020, um aumento de 24,4% no número anual de novos imigrantes foi
registrado no Brasil. Entre eles, os maiores destaques são venezuelanos, haitianos e colombianos. E, praticamente todos, deslocaram-se pelo mesmo motivo, sendo a crise econômica e social a principal delas. Além disso, a solicitação de reconhecimento da condição de refugiado também aumentou dentro destes nove anos, de aproximadamente 1,4 mil, foi à 28,8 mil.

Por trás de todos esses números, existem grandes histórias de pessoas que viram a vida passar pelos olhos. O venezuelano González lembra de todos os detalhes até conseguir chegar no território brasileiro. Tudo começou em 2013, quando uma grande crise, em vários setores, foi causada por disputas dentro da política. “Lá não dava mais para viver, não tinha nada para comer. Chegamos aqui muito magros, com uns 47 quilos”, disse o imigrante, que veio com a esposa e os dois filhos.

Luís Enrique Caraballo González, de 47 anos, trouxe a família para o Sul do Estado e matriculou os filhos na escola – Foto: Nilton Alves/TN

A família venezuelana mora em Içara desde 2019. Durante anos tiveram suas vidas impactadas pela miséria. De empresário, González se tornou um “sem teto”. Ele tinha uma empresa de segurança, que dentro de poucos anos, foi totalmente desmontada. Cada equipamento da loja foi vendido para que o alimento da sua família fosse garantido. Durante anos ficou morando sozinho com os filhos, Edimar Damerys Caraballo Montilla, 17 anos, e Luis Rafael Carballo Montilla.

“Minha esposa é enfermeira. Devido à crise e as circunstâncias, ela teve que ir a trabalho para a Colômbia. Fiquei sozinho com meu filho e minha filha. Naquela época, a gente até conseguia comprar alguma coisa, mas tudo foi ficando cada vez pior. Tivemos crise de água, eletricidade, então a população foi saindo porque ninguém conseguia viver assim”, explicou o marido da venezuelana, Luz Mary Montilla de Caraballo, 48 anos.

Quando Luís Enrique decidiu que o melhor para ele e sua família era sair do país, havia mais um empecilho: a fronteira estava fechada por conta da briga do governo com outras forças políticas. Ele expressa que dentro da situação, a única alternativa era rezar e pedir a Deus que o ajudassem. A partir daí, começou a frequentar uma igreja católica.

Suporte

Foi na igreja que tudo se tornou possível. O grupo de missionários da Venezuela se reuniu e montou um planejamento, em conjunto a outros países, para que a população pudesse buscar condições melhores de vida em outros territórios. Mesmo assim, o trajeto para Luís e sua família foi longo e doloroso. Nesse momento, sua esposa já havia voltado da Colômbia para seguir um novo rumo junto ao marido e os dois filhos. Durante 15 dias, os quatro caminharam debaixo de chuva e sol para chegar a fronteira.

A família se instalou em vários abrigos diferentes, todos geridos pela igreja católica. Quando conseguiu chegar ao Brasil, ficaram no Amazonas, até enfim, vir para Santa Catarina. No território catarinense, os missionários tinham uma casa locada em Içara, com três meses de aluguel pago. “Então recomeçamos nossa vida. Os irmãos da igreja nos deram várias doações, arrumaram emprego para mim e tudo foi possível”, explicou o venezuelano.

Liberdade

Após um ano da chegada da família, a pandemia do coronavírus se instalou no Brasil,
dando mais uma balançada nos planos que eles tinham para o futuro. Mesmo assim, Luís e Luz Mary se mantiveram firmes trabalhando, colocaram os dois filhos na escola. Atualmente, o casal conseguiu financiar uma casa pela imobiliária e respiram aliviado. “Aqui nós somos livres. Por mais que as coisas não estejam tão boas economicamente nos últimos meses, ainda é melhor viver aqui do que lá. Eu não voltaria para a Venezuela”, salienta González.

Fritznel Jean já pensa diferente. Ele veio para o Brasil em 2014 e durante dois anos, ficou
longe da sua esposa Katie Jean, de 30 anos. Seu desejo, até hoje, é poder morar na sua terra de origem, no Haiti, cuidando da sua mãe que há dois meses, ficou viúva do seu pai. “Se eu pudesse, voltaria a morar lá. Mas é claro, não com a crise política e miséria que existe. Dói lembrar de tudo que passamos sim. Porém, se tudo se ajeitasse, eu voltaria sim”, explicou o haitiano, com um forte sotaque.

Histórias diferentes, dores iguais

Jean veio para o Brasil quatro anos após um terremoto, que aconteceu a cerca de 25 quilômetros da capital haitiana, Porto Príncipe. “Muita gente morreu, o cenário ficou
tão triste. Era tudo tão difícil, não tinha como continuar morando lá. Em dezembro de 2013 eu saí do Haiti com outros imigrantes. Vim sozinho para ver se daria certo, a ideia era trazer minha esposa depois”, explicou ele, que reside em Criciúma há nove anos.

O haitiano também passou por dificuldades junto a amigos e familiares no trajeto até o
Brasil, mas prefere não relembrar. Para ele, é mais confortável falar de quando chegou no país novo, pois foi o momento que as portas se abriram possibilitando uma vida melhor. “Vim para cá e tinha primos que já moravam em Santa Catarina, por isso escolhemos aqui. Quando cheguei, já consegui emprego”, ressaltou.

Superação

Em 2016, sua esposa também veio para o Brasil. Depois de dois anos, eles tiveram uma
filha, a brasileira Souznicka Jean, de quatro anos. “Com as duas aqui, é mais fácil enfrentar as dificuldades. Hoje, conseguir um emprego não está mais tão fácil, mas com muito esforço e batalha consegui financiar um carro e estou trabalhando como motorista de aplicativo”, explicou o haitiano.

Saudade

A saudade se faz presente dia a dia. Familiares e amigos ficaram para trás, deixando um grande “buraco” no coração. Jean deixou o pai, que faleceu há dois meses, e a mãe, que ainda leva a vida no Haiti. Para ele, essa é a parte mais difícil. “É muito triste ficar longe
de quem se ama. Estou me planejando para ir visitar ela. Meu pai morreu e eu nem pude me despedir. Tudo isso dói muito”, ressaltou o haitiano.

O venezuelano González também entende bem sobre o sentimento. Os pais já são falecidos há algum tempo, mas tem uma irmã que ficou morando lá. “Ela é a principal pessoa que sinto falta. É um misto de sentimentos porque no Brasil me sinto feliz, fui tão bem acolhido por todos, em todos os momentos. Mas a dor da falta que sinto dela e desejo de poder ver de novo, é difícil”, finalizou.

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