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terça-feira, abril 23, 2024

Região Sul ganha espaço na produção de cervejas artesanais

Geórgia Gava e Thiago Oliveira

Içara/ Lauro Müller

Água, malte, lúpulo e levedura. Ingredientes simples, mas que quando combinados dão vida a uma das bebidas mais consumidas do planeta e que é responsável por uma indústria bilionária. No Brasil, a cerveja está presente na vida de dois terços da população. Um público que está cada vez mais exigente, trocando os rótulos tradicionais, fabricados em larga escala, por produtos feitos com insumos selecionados, produção menor, mais saborosos e cheios de histórias para contar. Uma área em que Santa Catarina sempre foi referência, e que já vê no Sul, um destaque.

Donas das cervejarias mais antigas do Estado, as regiões Norte e do Vale do Itajaí seguem com a maior fatia do mercado catarinense, que em 2020 possuía 175 fábricas registradas junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Mas ano após ano, o Sul tem ganhado espaço. E com histórias muito parecidas: a de apaixonados pela bebida e curiosos para criar novos sabores, como é o caso da The Nose Mustache, localizada na comunidade de Sanga Funda, em Içara.

“É algo que enche de orgulho. Eu saio com a minha esposa e filho, sento, e escuto ‘eu quero uma Munich Evans’. E penso que de alguma forma estou contribuindo para a vida dessa pessoa. Tudo o que fizemos é com muito carinho, a gente faz porque gosta. Não é só pra ganhar dinheiro. É uma coisa minimalista, para tocar as pessoas”, conta Antônio Cleber, o Bigode, cervejeiro e um dos proprietários da The Nose Mustache.

Da panela para a profissionalização

Consolidada como uma das principais cervejarias da Região Carbonífera, a The Nose Mustache produz entre 8 mil e 9 mil litros por mês das 27 variedades registradas, além de terceirizar a fabricação para o público interessado. Mas a história começou como uma brincadeira, quando Bigode, então engenheiro de alimentos, recebeu o convite do amigo Alex Michels para “cozinhar” cerveja em casa. Até que a ideia começou a ficar séria. “Começou no sítio do Alex. Um cara tinha uma dívida com ele e pagou com decantadores de mel. Ali nasceram as panelas que iriam começar a cervejaria”, revela Bigode.

Duas decisões, porém, fizeram a cervejaria decolar. Uma foi mudar o local da produção, que foi para um espaço na Sanga Funda, onde está até hoje. A segunda foi a compra dos dois primeiros tanques. “Ali a gente pensou: não tem mais como dar ré. Vai ter que decolar”, destaca Bigode.

E decolou. Mesmo com alguns desvios pelo caminho, como quando decidiram terceirizar a produção na Lohn Bier, em Lauro Müller, de modo que pudessem focar em apresentar as criações, ao invés de gastar 27 horas ininterruptas nos tanques em cada fabricação. “Nós pensamos: vamos mostrar a nossa arte. Depois a gente pensa na cervejaria. E foi onde tudo aconteceu. A gente montou o pub e desenvolveu a marca”, conta o cervejeiro.

Para impactar

Para voltar à produção, Bigode projetou uma cozinha. Rapidamente, os dois primeiros tanques viraram quatro, cinco… Hoje são 11. Mas no meio da jornada, não esquecem a primeira cerveja, ainda em 2012, na casa de Michels. “Ficou horrível. O cara foi fazer o cálculo da adição de lúpulo, que nem os alemães fazem, e colocou 10 vezes mais. Ficou intragável”, lembra o cervejeiro, aos risos. “Mas nos cursos de produção de cerveja que eu dou, sempre falo que você precisa procurar entender os erros. E a gente fez. Aquelas primeiras garrafas que fizemos no sítio do Alex, chamamos o cervejeiro da Saint Bier e perguntamos: ‘E aí? A gente sabe que está ruim, mas e o norte?’. A gente era muito crítico. E é essa nossa força. A gente é muito ‘cricri’. Queremos uma coisa que impacte a pessoa. Que ela sinta o que a gente faz”, completa.

E o público é parte importante de todo o processo criativo. Até mesmo porque o paladar do consumidor, segundo Bigode, está cada vez mais apurado. “Quem bebe uma IPA, quer sentir um lúpulo lançado agora. O pessoal quer saber o que provoca sensações no palato. E a gente tenta trazer isso aqui para dentro. Produzimos uma cerveja que tem um lúpulo que é buscado direto em uma fazenda nos Estados Unidos. Uma coisa bem nichada, mas o público é ávido por esse tipo de produto. A tendência é essa. Nichar cada vez mais. Há 10 anos, a cerveja artesanal beirava 1% do mercado. Hoje está entre 3% e 4%. Olha o quanto que a gente ainda tem que caminhar. Queremos que venham outras cervejarias entregando novas coisas, para que a gente dê um passo além e consiga desenvolver o nosso mercado”, analisa.

Foto: Guilherme Cordeiro/ TN

Reinvenção na pandemia

Assim como tantos segmentos, a pandemia obrigou a empresa a se reinventar. Com uma produção voltada à venda em barril para os estabelecimentos, o faturamento foi a zero quando os decretos proibiram a abertura de bares. Foi quando veio a ideia: cerveja em garrafa pet.

Bigode já havia conhecido o produto – e os contatos – durante uma missão cervejeira na República Tcheca, onde a prática é comum. E resolveu arriscar. “É uma realidade muito forte na Europa. Algo que no Brasil estamos engatinhando e com muito ceticismo. Ainda tem muito preconceito. E lá é fortíssimo. Os caras investem pesado em equipamentos caríssimos para fazer esse tipo de envase. Fomos com tudo. E de zero de faturamento, fomos a 4 mil litros em poucas semanas”, revela.

A ideia deu tão certo que mesmo com a volta do movimento nos pubs e, consequentemente, da venda dos barris, a garrafa pet passou a representar uma fatia considerável do faturamento. “Superou o que a gente achou que ia acontecer. Sabíamos que ia dar em alguma coisa, mas não sabíamos se ia pagar os boletos no fim do mês e deu certo. Hoje o pet representa cerca de 10% a 12% do que a gente produz. Não dá para desprezar, porque tem muita gente que tinha dúvida e hoje não fica sem. Não tem como tirar mais, porque virou a queridinha”, destaca.

Imagem: TN

Desde o início, destaque estadual

É aos pés da estrada mais espetacular do mundo, a Serra do Rio do Rastro, em Lauro Müller, que está uma das maiores cervejarias de Santa Catarina. E quem vê a capacidade de produção de 450 mil litros por mês e os inúmeros prêmios conquistados mundo afora nem imagina que a Lohn Bier nasceu há menos de uma década. E também partiu de uma pequena panela.

A ideia surgiu ainda em 2013, quando a família de Tatiani, que trabalhava com avicultura, decidiu vender a estrutura e recomeçar. Pensaram em diversos negócios. Mas o empurrão para o ramo da cerveja saiu do marido, o professor e sommelier Richard Westphal Brighenti. “Ele já era apaixonado. Fazia cerveja de panela, bem artesanal. Mas aí, entre tu seres um cervejeiro caseiro para produzir em uma escala maior, a nível industrial, é totalmente diferente. Então, a gente foi estudar. Fizemos todo um plano de negócio até realmente envasar a primeira garrafa, em outubro de 2014”, conta a Tatiani, que é sócia-fundadora ao lado do marido e dos dois irmãos.

Foto: Guilherme Cordeiro/ TN

E mesmo em meio às incertezas do mercado, os quatro sócios arriscaram. Previam expansão e construíram um galpão de 2 mil metros quadrados, que até hoje é a sede da Lohn. “A gente nasceu com uma adega muito pequena. Fomos crescendo aos poucos. Essa estrutura física foi criada grande, mas nascemos com equipamento pequeno e uma capacidade para armazenar e maturar as cervejas de 8 mil litros, ou seja, muito pequenininha”, enfatiza.

Prêmios e reconhecimento internacional

O desejo de acertar era tão grande, que logo no início, com menos de um ano de cervejaria, os sócios decidiram inscrever os rótulos produzidos à época em concursos. Só que ninguém esperava tamanha repercussão. “As nossas conquistas foram o nosso marketing inicial. Desde o início, o nosso foco era entregar um produto de qualidade. E, todo ano, em março, tem o Festival Brasileiro da Cerveja em Blumenau. Em 2015, quando tínhamos meses de fundação, decidimos colocar os nossos produtos para concorrer. E conquistamos duas medalhas”, comemora Tatiani.

Em sete anos, foram 115 prêmios. Entre eles, o título de melhor cervejaria da América do Sul em 2017 e 2019. Além disso, a Carvoeira, rótulo criado para valorizar a história da região, recebeu 32 conquistas, em nove países diferentes. “Uma cervejaria do interior de Santa Catarina, com 15 mil habitantes, tirou do pódio uma cervejaria de Bruxelas, que é milenar e coloca a Carvoeira, que tem sete anos. Uma das primeiras da Lohn”, conta a sócia-proprietária. “As medalhas e conquistas vieram com muita intensidade e força. Até mais do que o nosso comercial poderia abraçar. Então, quando a gente estava entrando no Norte do Estado, em Joinville, por exemplo, as pessoas conheciam a Carvoeira, que é a cerveja mais premiada da Lohn e não conheciam a Lohn. Elas estavam pedindo a Carvoeira em outras cervejarias”, completa.

Do barril para a gôndola

No início, a Lohn tinha como foco a venda de chope, uma bebida mais tradicional na região, assim como os vinhos e as cachaças. Mas a grande virada ocorreu quando os produtos chegaram às gôndolas dos supermercados. “Fomos conquistando o mercado. Hoje, graças a Deus, estamos em todas as redes de Santa Catarina e também algumas no Paraná e no Rio Grande do Sul”, pontua Tatiani.

O aumento na demanda também exigiu uma produção maior. Tanto que dos 8 mil litros, de quando a Lohn iniciou as atividades, a empresa passou para 150 mil litros em três anos. Hoje, para dar conta dos 450 mil litros de capacidade, foi necessária a construção de um novo galpão, com mais 800 metros quadrados.

Neste tempo, foram mais de 200 cervejas registradas. A cada mês, novos produtos são lançados, como a Catharina Sour de jabuticaba, que foi catalogada como o primeiro estilo legítimo brasileiro.

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